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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

26/04/2010


UNE: DIFÍCIL DESEMBARQUE

Ary Ribeiro *


Jacinto de Tormes, pesonagem de A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, era sofisticado jovem que vivia em Paris desfrutando do que de mais requintado havia na época, uma vida, enfim, faustosa, graças à fortuna dos pais portugueses. Um dia, pressentindo a morte próxima, os pais pedem a Jacinto que volte a Portugal, para tomar conta das fazendas na região serrana de Guiães. No dia da volta, dentro da carruagem que o levava à estação ferroviária, ele fala consigo mesmo: “Difícil decisão: deixar a Europa.”

É mais ou menos o que está acontecendo com a UNE, entidade que tinha bonita história até o dia em que se deixou cooptar pela generosidade do governo Lula, que não somente lhe destinou milhões de reais, como providenciou cargos na administração para alguns de seus dirigentes ou ex-dirigentes. Os estudantes, que tão corajosamente, ao longo da História, se rebelaram contra ditaduras e corrupção, que pintaram a cara contra Collor, silenciaram diante do escândalo do mensalão.

No fim de semana, a UNE teve seu dia de Jacinto de Tormes. Decisão difícil: deixar o governo, deixar de apoiar formalmente a sua candidata e ficar contra quem presidia a UNE justamente na época da instalação do regime militar e que, por isso, teve de suspender os estudos, exilar-se no Chile e, dali, seguir para outros países, até – muito preparado, com doutorado nos Estados Unidos – poder voltar ao Brasil e seguir sua vocação política, tornando-se deputado federal, ministro de Estado – do Planejamento e da Saúde – prefeito da maior capital do País e governador do Estado de São Paulo.

Diante do dilema, a UNE preferiu desembarcar – da carruagem. Rejeitou a proposta de apoio à candidatura Dilma Rousseff, não criticou diretamente seu ex-presidente José Serra, mas o fez por tabela, ao atacar a política “neoliberal” dos tucanos, como se não fosse a mesma adotada pelo governo Lula – a responsável pelos êxitos que seu governo obteve no campo da economia. Enfim, a UNE resolveu continuar com um pé na “Europa”. Não seguiu para as Serras (sem trocadilho). É duro deixar o governo.


CLT, NO CAMPO E NA CIDADE


Excelente a entrevista da senadora Kátia Abreu nas páginas amarelas da Veja desta semana, mostrando não ser à toa que seu nome tem sido aventado como possível candidata a vice na chapa de José Serra. Ela pertence ao principal aliado – o DEM – e, além disso, preside a poderosa Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) – aliás, primeira mulher a alcançar esse posto, num reduto predominantemente masculino.

Ela tocou num ponto que deveria ser objeto de muita atenção por parte do próximo governo: a legislação trabalhista. Diz haver imensa boa vontade da maioria dos proprietários rurais em cumprir a lei. Ocorre que o trabalho no campo é regido pela NR-31, que tem 252 itens. Cumprir 252 critérios, em qualquer atividade, como nota a senadora, é difícil, imagine-se numa fazenda. Até numa fazenda-modelo se encontrará o descumprimento de ao menos um dos 252 itens.

Ela fala do trabalho rural. Mas a mesma coisa ocorre com o trabalho urbano. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é constituída de nada menos que 992 artigos, fora os parágrafos e incisos. E é uma legislação que vale tanto para uma empresa que tem 10 mil ou 50 mil empregados quanto para o dono de uma lojinha ou oficinazinha de fundo de quintal, que tem apenas um, dois ou meia dúzia de empregados.

A legislação é tão minuciosa que a hora noturna (art. 73 e parágrafos), por exemplo, não tem 60 minutos, mas 52 minutos e – pasmem – 30 segundos! Alguns segundos a mais, portanto, pode ser objeto de ação trabalhista, congestionando a Justiça do Trabalho. É tão difícil para um empresário trafegar por esse emaranhado legislativo sem tropeçar que nem o Banco do Brasil consegue. Se uma instituição financeira desse porte não consegue, que dirá o micro ou pequeno empregador! Ninguém pode imaginar que um Banco controlado pelo governo, um dos maiores do país e dotado de excelente Departamento Jurídico, descumpra de propósito a legislação trabalhista. No entanto, é um dos grandes clientes da Justiça do Trabalho.

Alguma coisa, portanto, está errada. Não defendo que seja retirada a proteção ao trabalhador. Mas que a legislação seja simplificada e tornada bem clara e exequível, a fim de que não se constitua em entrave à atividade empresarial. Assim como há preocupação em defender o empregador doméstico (os empregados não têm todos os direitos da CLT) deveria haver também legislação especial para micros e pequenos empresários.

E CIRO, HEIM?

Puxaram a escada de Ciro Gomes e ele veio abaixo, de broxa na mão. É de se perguntar: como é que um político experiente como ele se deixou levar por um maquiavelismo barato? Como é que concordou em transferir o título do seu Estado – onde foi prefeito da Capital e governador – para um Estado com o qual não tem nenhuma ligação político-partidária? O vago aceno de que seria apoiado pelo PT e pelo Planalto para uma candidatura ao governo do Estado não teria por objetivo torpedear sua pretensão de candidatar-se à sucessão presidencial? Com seu domicílio eleitoral transferido para São Paulo, ele ficou sem sua forte base de apoio, um Sansão sem a cabeleira. Ficou mais fácil lançá-lo para fora da estrada. Agora, se foi uma jogada esperta, terá sido muito arriscada. A esperteza, como se costuma dizer, pode crescer e engolir o dono. Não é aconselhável brincar com alguém com o temperamento de Ciro Gomes. É esperar para ver.

Um comentário:

Jose Ricardo da Costa e Silva disse...

Ary,
1. Acho que o fato de a Une não apoiar diretamente a Dilma já é uma vitória e um bom sinal (principalmente para quem conheceu a Une submetida ao PCdoB como era no meu tempo de estudante.
2. Acho, como você, que precisamos menos leis, não só na área trabalhista, mas em todas as outras áreas. Precisávamos ter um mutirão legal, para simplificar as leis, torná-las conhecidas e compreensíveis para a população (como respeitar a lei se não a conhecemos nem a compreendemos?). Necessitamos de um sistema legal mais coerente e fácil de entender pelo bom senso, assim teremos mais um incentivo para agir dentro da Lei, ou menos uma desculpa para não fazê-lo. Além de facilitarmos as relações sócio-econômicas da sociedade brasileira, com possível ganhos de produtividade e de renda em função desta simplificação.
Abraço, muito grato.
Ze Ricardo