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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

30/08/2010

SENTADA NA CADEIRA

Ary Ribeiro

Com o resultado da última pesquisa do Ibope, confirmando as de outros institutos, a candidata Dilma Rousseff já se sente sentada na cadeira presidencial, mesmo faltando um mês e pouco para as eleições.

Ao menos assim foi interpretada por José Serra a declaração da candidata de que pretende estender-lhe a mão num eventual governo do PT.

A declaração deixa efetivamente margem para esse entendimento, que implicaria menosprezo à vontade do eleitorado. Mesmo que neste momento a maioria se mostre inclinada a votar em Dilma, essa opinião ainda pode mudar.

Parece difícil. Imaginava-se que com a propaganda pelo rádio e televisão, Serra tomaria a dianteira, tal a diferença, em seu favor, entre a sua biografia e a da candidata oficial, entre a experiência e as realizações de um e de outra. Mas seu marketing se mostrou desastroso.

O Serra mostrado nos programas não é – ao menos não era – o Serra que se conhecia: sério, firme, até um tanto antipático. Transformaram-no num falso “Serra paz e amor”, que se recusava a combater Dilma e seu patrono, sob o argumento de que este desfruta de alta popularidade.

A aprovação do governo e de Lula se deve ao fato dele não ter desmantelado a casa que seu antecessor, Fernando Henrique, lhe passou arrumada: moeda estabilizada (graças ao Plano Real), endividamento dos Estados sob controle, Responsabilidade Fiscal, câmbio flutuante etc.

Todas essas medidas tomadas pelo governo do PSDB, melhorando a vida de milhões de pessoas, deixaram de ser proclamadas pela propaganda de Serra. Lula ficou com os louros, sem ser incomodado.

Em todo o caso, como falta algum tempo para as eleições, pode ser que a ficha ainda caia no comando da campanha serrista, pois ela está sendo muito criticada. Talvez o candidato guarde algumas cartas nas mangas para lançá-las na última hora. Dilma é candidata com muitos flancos vulneráveis.


BOAS BRIGAS À VISTA

Não é somente Dilma que já estaria se sentindo sentada na cadeira presidencial, como observou Serra. Alguns de seus principais aliados e colaboradores não têm dúvida disso.

Em comentário anterior, mencionei matéria de O Estado de S.Paulo, segundo a qual o PMDB começou a mostrar suas garras. Quer ser tratado, num futuro governo Dilma, como sócio do poder e não como partido aliado, como foi até agora. Quer, portanto, dividir com o PT o comando do governo, tendo, inclusive, assento na chamada “reunião das 9 horas”, no Palácio do Planalto, durante a qual se faz análise da situação política e econômico e se estabelecem medidas a tomar.

Eleita Dilma, essa será uma boa briga, até porque Lula não estará de fora. Ele também quer um bom naco do poder, de preferência o comando de tudo. Foi por isso que escolheu e impôs ao PT uma candidata sem experiência eleitoral – inteiramente dele dependente – e arregaçou as mangas para elegê-la.

E há ainda outra briga se armando. Briga antiga. Entre dois pesos pesados do petismo: Antonio Palocci e José Dirceu. Eis o que escreveram os repórteres Wilson Tosta e Vera Rosa na edição de domingo do Estadão: “A 35 dias da eleição, os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci disputam os rumos de eventual novo governo comandado pelo partido. Depois de emitir sinais contrários à possível indicação de Palocci para a Casa Civil, Dirceu luta agora para impedir que ele volte a ditar os caminhos da economia, a partir de 2011. Os dois ‘generais’ do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reeditam a queda de braço que travaram no primeiro mandato do PT para definir a fisionomia do governo.”


PALAVRAS PRESIDENCIAIS

Além de participar com toda desenvoltura de comícios em favor de seus candidatos – coisa que um presidente da Repúblia jamais fez em toda a história do País – Lula ainda ataca a oposição e candidatos oposicionistas, atropelando também o que seu aliado José Sarney chama de “a liturgia do cargo”.

No fim da semana passada, em comício realizado no Recife, o presidente, segundo noticiário, classificou oposicionistas de “picaretas e chantagistas” e foi além. Sem citar nomes, assim se referiu a Marco Maciel, homem de bem, um dos políticos mais expressivos de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Letras: “Desde pequeno eu ouço um cidadão aí, que já foi deputado, presidente do Congresso, da Câmara, do Senado, vice-presidente, e me contem o que é que ele trouxe para Pernambuco?” Do senador Jarbas Vasconcelos (dissidente do PMDB), outro político que engrandece Pernambuco e que se lançou candidato a governador para ajudar a campanha de Serra, disse: “Ele vai ficar devendo pontos ao Ibope.” Jungmann foi tratado de político menorzinho, que “parecia que tomava conta da reforma agrária” (Foi ministro da Reforma Agrária no governo Fernando Henrique.) E completou: “Pernambuco de Julião, de Arraes, de Frei Caneca, Eduardo Campos e de Lula não pode votar neste tipo de gente para senador da República.”

A LOJINHA DA DILMA

Está é revelação da Folha de S.Paulo, edição de domingo:

Segundo a repórter Fernanda Odilla, a candidata Dilma Rousseff teve uma experiência gerencial – não incluída em seu currículo – antes de tornar-se “gerente” do governo Lula e do PAC. Foi uma das donas de uma loja, no Rio Grande do Sul, denominada “Pão & Circo”, especializada na importação de produtos diversos do Panamá, para vender no atacado e no varejo. Os outros sócios eram a ex-cunhada Sirlei Araújo, o ex-marido Carlos Araújo – que foi dirigente da organização da luta armada VAR-Palmares – e um sobrinho, João Vicente. A loja durou um ano e meio, tendo sido fechada em julho de 1996.

Na iniciativa privada, a “gerente” do PAC não teve êxito.


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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

23/08/2010



AO BUTIM!
Ary Ribeiro


Nem bem saiu a pesquisa do DataFolha registrando a ascensão de Dilma (com 47 pontos) e a queda de Serra (30 pontos), e já começa a corrida ao futuro butim presidencial.

O PMDB quer dividir o poder “meio a meio” com o PT, informou o jornal O Estado de S.Paulo, em sua edição de ontem, domingo, sem precisar como ficariam os demais partidos que integram a coligação governista. Certamente como mero coadjuvantes.

O maior partido político do País, todo mundo sabe, tem irresistível vocação governista. Não para disputá-lo. Para isso não tem candidato – ou não quer tê-lo. Prefere entrar no poder por uma porta lateral. Foi assim nos governos Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva.

Desta vez, porém, argumentam seus dirigentes, o partido deu respaldo desde o início à candidatura Dilma, exigiu e obteve a vice-presidência, para ela indicando seu próprio presidente, Michel Temer.

José Alencar era senador pelo PMDB de Minas Gerais. Mas sua candidatura a vice-presidente não resultou de indicação do partido e sim de escolha direta de Lula (ou da cúpula do PT). E foi escolhido não por ser peemedebista, mas por sua condição de próspero empresário, o que daria consistência à mudança de rumos do PT, consubstanciada na sua então recém-lançada Carta aos Brasileiros.

Agora, não. Agora, a aliança PT-PMDB se fez antes da eleição, cabendo ao PMDB o cargo de vice na chapa. Então – esse é o raciocínio – se a vitória se confirmar, ela será de ambos, fifty-fifty, como dizem os ingleses. Nada mais de hegemonia petista. O PMDB vai querer dividir tudo, participando inclusive do núcleo decisório palaciano, com presença na chamada “reunião das 9 horas”, e do comando da economia. Temer não será um José Alencar, sem demérito nenhum para este, que é homem de bem e de comportamento irrepreensível no governo. Mas ele é essencialmente um empresário; Temer é professor universitário e político. Terá vindo da presidência do partido e da Câmara dos Deputados.

O PMDB vai querer ampliar também a sua participação nos ministérios. Mesmo antes de externar suas pretensões, já estava acertado entre Dilma e Édison Lobão que, em caso de vitória, ele voltaria a ocupar a pasta das Minas e Energia. Uma de suas principais auxiliares nem foi devolvida ao órgão de origem. Ficou lá à sua espera.

Outra coisa que o PMDB deixará bem claro é que não vai mais aceitar que o PT ou outros partidos da base aliada dividam cargos de direção em ministérios que lhe couberem numa futura partilha. Vai querer o que no mundo político se chama de “porteira fechada”.

A disputa pelo futuro butim, portanto, está se armando, mesmo não sendo ainda tão certa, como imaginam, a vitória de Dilma. As pesquisas registram momentos. Por enquanto, muito favoráveis a ela em função, de um lado, da intensificação da participação de Lula na sua (aqui vale o sentido duplo) campanha e, de outro, da frouxa campanha que Serra faz na cadeia de rádio e televisão. Há ainda bastante chão pela frente. Não se pode esquecer que eleições “ganhas” se perdem por algum fator inesperado. Fernando Henrique, em 1985, estava com a eleição ganha para prefeito de São Paulo (contra Jânio Quadros), quando, indagado na televisão se acreditava em Deus, respondeu que não e, não bastasse isso, deixou-se fotografar, na véspera do pleito, sentado à mesa do Prefeito. Foi derrotado. E Lula perdeu a eleição praticamente ganha, em 1989, quando Collor revelou que ele tinha uma filha rejeitada, Lurian.

Mas, admitindo, apenas para raciocinar, que Dilma saia vencedora e que o PMDB não abra mão de dividir o poder, o tão esperto plano de Lula de elegê-la para continuar mandando (num terceiro mandato camuflado) poderá ir por água abaixo. Uma coisa é Lula no governo fazendo concessões ao PMDB. Outra, é Lula formalmente fora do governo e o PMDB sentindo-se dono da casa e ainda por cima controlando o Congresso. E o plano do próprio PT, consubstanciado no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) – de censurar a imprensa e controlar a educação e a cultura – também poderá ir pelo mesmo caminho. PMDB não é PT. Está muito distante da herança ideológica petista.

Bem, é esperar para ver.

CACARECOS NA TV

Esse horrível desfile de candidatos, na televisão, alguns com nomes, apelos ou slogans de muito mau gosto, está levando comentaristas políticos a lembrar-se da campanha do Cacareco, em São Paulo.

Muita gente talvez não saiba o que isso significa. Vou explicar. Estava em curso, há muitos anos, uma campanha para vereadores, em São Paulo. Com candidatos também de baixíssimo nível.

Enojados com aquele desfile, uns cinco ou seis redatores do jornal da Rádio Eldorado – entre os quais me incluía – teve a ideia de lançar o Cacareco como candidato. Era uma forma de protesto, que, como se vê, de nada adiantou.

O nome foi por mim lembrado por estar em evidência. Tratava-se de um rinoceronte que, cedido pelo Zoológico do Rio, acabara de chegar ao Zoológico de São Paulo. Estava nas páginas dos jornais e nas rádios e televisões. E, afinal, estava no nível de vários candidatos, como aquele gordo cujo slogan dizia: “Vale quanto pesa” .

Feita a escolha, compramos tinta e pincel, fomos à noite para a frente da entrada principal do Estádio do Pacaembu, pintamos no chão o nome de Cacareco para vereador e no dia seguinte avisamos os jornais, que foram ao local, fizeram fotos e a partir daí a campanha pegou e cresceu sozinha. O jornal Ultima Hora publicou uma cédula (votava-se por meio de cédulas) que podia ser recortada.

Ao abrirem as urnas, cédulas de Cacareco apareciam em muitas delas. Obviamente não foram contadas. Mas se calculou que o rinoceronte obteve mais votos que o vereador mais votado. Hoje, com a urna eletrônica, não mais seria possível repetir isso. Mas há vários “Cacarecos” na disputa, inscritos sob os mais variados nomes...

Ary Ribeiro é jornalista e escreve às segundas-feiras neste blog.

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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

16/08/2010 Ary Ribeiro é Jornalista e Publica sempre às segundas neste Blog


SERRA E A ENCRUZILHADA

Os dados da última pesquisa do DataFolha, divulgados no fim da semana, mostraram Dilma Rousseff pela primeira vez à frente de Serra: 41% contra 33%. Em comparação com a pesquisa anterior, de fins de julho, ela subiu 5 pontos e Serra caiu 4. Como o instituto ouviu os eleitores entre os dias 9 e 12, é pouco provável que a pesquisa tenha refletido o resultado da entrevista de Serra ao Jornal Nacional, da TV Globo, realizada na noite anterior, dia 11. Dilma fora ouvida no dia 9.

Parece fora de dúvida, de qualquer maneira, que ela subiu e que Serra caiu. Por que? De um lado porque Lula mobilizou o governo para impulsionar a candidatura de Dilma, de outro porque a estratégia de Serra não estaria dando o resultado esperado. Não tem feito críticas diretas a Lula porque – justifica – ele não é candidato. Daqui a quatro meses e pouco deixará o governo e irá para casa. Candidata a governar o País é Dilma – e é com ela que se deve travar o combate. O eleitor deve comparar Dilma com ele, Serra, e ver qual dos dois está mais preparado para gerir os destinos da Nação nos próximos quatro anos.

A estratégia, aparentemente correta, pretende desvincular Dilma de um presidente com tão alta aprovação popular. Acontece que isso não estaria ocorrendo. Serra não está conseguindo dissociar Dilma de Lula e então ficam ele e Dilma falando mais ou menos a mesma coisa. Um diz que vai fazer não sei quantos hospitais e quantas escolas, que fez isso e aquilo, outro diz que vai fazer o trem-bala (que por enquanto não passa de fantasia de campanha eleitoral, pois não há nem levantamento de trajeto, de possíveis e complicadas desapropriações etc.) e não sei quantos quilômetros de ferrovias e que também fez isso e aquilo. Ou seja, como diria Plínio de Arruda Sampaio, são candidatos iguais. E se são iguais, imagina o eleitor – que, de modo geral, não está insatisfeito com a situação do País – por que mudar?

Serra aproxima-se, pois, de uma encruzilhada. Vai continuar com essa mesma estratégia nos programas de propaganda eleitoral que começarão amanhã, na televisão, ou a mudará drasticamente? Se persistir nesse caminho e, depois dos primeiros programas não obtiver o resultado esperado, seria melhor lançar fora a pele de cordeiro e agir como leão, atacando firmemente os desmandos administrativos, os desvios de conduta, a partidarização da máquina governamental, enfim, tudo de errado que há no governo. Tem de deixar claro para o eleitor de que lado está o trigo e de que lado está o joio. Talvez só assim se tire o eleitorado da letargia em que está mergulhado.


REVELAÇÕES DO PORÃO

Muito esclarecedora a entrevista do sindicalista Wagner Cinchetto à revista Veja. Ele revela, como ex-integrante de um grupo sindical-petista, como se preparam dossiês contra adversários. Uma de suas informações é de que esse grupo esteve por trás do caso Lunus.

Para quem não se lembra, Roseana Sarney, então do PFL, começava a subir como pré-candidata à Presidência da República nas eleições de 2002, em que concorriam também Lula e Serra. Sua candidatura, porém, desabou quando a Polícia Federal, com mandado judicial, vasculhou o escritório da empresa Lunus, no Maranhão, descobriu suas ligações com a candidata, irregularidades com a Sudam e R$ 1,34 milhão em dinheiro. A família Sarney atribuiu o fato ao então candidato José Serra – agora se sabe que tudo teria sido engendrado pelo porão sindical – bandeou-se para o lado de Lula e o PFL, agastado, distanciou-se de Serra e do PSDB.

Pergunta da revista: O então candidato Lula sabia alguma coisa sobre a atividade de vocês? Resposta: Lula sabia de tudo e deu autorização para o trabalho.


DILMA E AS PROVAS

Indagada sobre a matéria de O Estado de S.Paulo, segundo a qual, em julho de 2004, a governadora Roseana Sarney, sua aliada, teria simulado empréstimo de R$ 4,5 milhões com o Banco Santos, para repatriar dinheiro do exterior, Dilma Rousseff disse que só se manifestará depois de ver os documentos do Banco – que está sob intervenção judicial, decretada em novembro de 2004. Se ela for esperar que os documentos sejam examinados pela justiça – com decisão transitada em julgado – talvez não se manifeste antes das eleições de 2014.


O PASSADO DE DILMA

Na extensa matéria que a revista Época publica sobre as atividades de Dilma Rousseff na luta armada contra o regime militar, não há nada indicando ter ela participado diretamente de ações armadas, como assalto a bancos (para “expropriações”, segundo a terminologia dos grupos da luta armada) ou assassinatos. Mas consta dos arquivos policiais que ela ocupava cargos de direção nacional nesses movimentos, denominados de Colina, VAR e VAR-Palmares.


AGÊNCIAS ESVAZIADAS

Lula nunca escondeu seu desapreço pelas Agências Reguladoras, criadas pelo governo Fernando Henrique para assegurar o cumprimento de contratos e defender os interesses de usuários de serviços públicos. Ao tomar posse, em 2003, disse que elas eram uma forma de “terceirizar o governo”. Desde então as vem debilitando. Primeiro, loteando os cargos de direção entre partidos políticos aliados, quando a ideia era de que, para atuarem com independência, as agências deveriam ser dirigidas por técnicos desvinculados até mesmo do governo. Depois, criando órgãos para assumir papeis das agências, como é o caso da recriação da Telebrás e da Petro Sal. Agora se revela que o governo as está deixando também à míngua de verbas. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o contingenciamento médio das verbas, entre 1998 e 2009, foi o seguinte em cada Agência: ANP (combustíveis), 88,9%; Aneel (energia), 51,7%; Anatel (telecomunicações), 84,7%; Ana (águas), 53,6%; ANTT (transportes terrestres), 46,9%; Antaq (transportes aquaviários), 34%; e Anac (aviação), 35,9%.

Democracia, Alternância e Mentiras

Criei-me na luta pela redemocratização do Brasil. Do antigo MDB, PMDB e finalmente PSDB. Apesar disto e de ser eleitor do Serra, vibrei com a eleição de Lula em 2002, pela chegada de um operário na presidência, pela renovação política, pela vitória da democracia.

Outro dia a Dilma disse no jornal Nacional que o Lula chegou ao governo com a inflação descontrolada. Isto me lembrou aquela planilha que passa na internet comparando o governo FHC com o de Lula e afirma ser retirada da The Economist. Trabalho na área de Macroeconomia do Banco Central há 18 anos, me surpreendo e me envergonhado pela falta de pudor com que se manipula informações para uso político.

Com a possibilidade da eleição de Lula naquele ano de 2002, os investidores, nacionais e estrangeiros ficaram com medo. O investimento externo caiu, quem tinha dinheiro no pais arrumou um jeito de mandar para fora. Quem tinha dólares (e nisto também a classe média) guardou. O medo de Lula e do PT gerou um caos na macroeconomia. O dólar mais que duplicou do início de 2001 até a eleição de Lula, ninguém queria mais emprestar ao governo com medo do calote que parte do PT pregava e por isto este teve que aumentar os juros pagos em seus empréstimos. O risco país saltou de forma exorbitante devido ao fator PT e Lula, pois todo o mundo achava que o PT no governo ia declarar moratória, quebrar os contratos. Com isto a inflação estourou, o país entrou em recessão, o desemprego aumentou e os salários em termos reais caíram.

Os fundamentos econômicos do Governo FHC estavam muito melhores que estes números. Estes números foram frutos da crise de confiança provocada pela possível vitória de Lula e do PT. O efeito medo do PT-Lula causou isto. Usá-los para comparar o governo FHC com o de Lula é no mínimo um comportamento de má fé.

O que permitiu o Brasil viver este período de bonança que vivemos hoje foi uma conjunção de fatores, a primeira delas as medidas impopulares tomadas pelo governo de FHC para ajustar a maquina pública, para limpar o sistema bancário e para dar capacidade de ação ao Estado brasileiro, a segunda a sabedoria do Lula de manter tudo isto e aprofundar ainda mais estas reformas de ajustes no seu primeiro mandato, o que fez com que a crise de confiança fosse revertida, dando total independência ao BC para atuar na política monetária e creditícia, principalmente na crise financeira internacional. Também a forma sensata como o atual governo atuou diante da crise. Por fim, como me disse um economista americano outro dia, o risco Brasil caiu e a situação do País melhorou, porque Lula, nem o PT são ameaça a estabilidade e o respeito aos contratos.

Votar no partido A ou no partido B é uma questão de visão de mundo, que eu respeito muito. E acho fundamental que existam visões distintas e que se alternem na direção pública. Inventar mentiras e distorcer os fatos é uma questão de caráter, quando se faz isto para se manter no poder, é uma questão democrática.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

09/08/2010 Ary Ribeiro Jornalista, publica às segundas coluna neste blog.



HAVIA UM IRÃ NO MEIO DO CAMINHO...




Como a lembrar o conhecido poema de Carlos Drummond de Andrade, havia um Irã no meio do caminho das pretensões de Lula de se tornar líder internacional, quem sabe podendo vir a ser eleito secretário-geral da ONU.

O presidente brasileiro desfrutava de aura de simpatia no mundo, principalmente entre as esquerdas europeias. Era “o cara”, como disse Obama (talvez com certa ironia). Afinal, era um operário, um sindicalista que ascendera ao posto máximo de uma nação cada vez mais expressiva no concerto das nações.

Começaram, porém, os tropeços. Primeiro foi Cuba. Lula teve o azar de chegar àquele país – para mais uma visita ao querido amigo Fidel – e posar para foto ao seu lado, sorridente, justamente no dia em que um prisioneiro político morria em greve de fome. Não bastasse a foto, ainda comparou prisioneiros políticos a criminosos comuns. Foi péssima a repercussão internacional. Seu prestígio ficou abalado.

Depois, outro tropeço no Oriente Médio. Aparentemente, julgou que só estava faltando um cara como ele para promover o diálogo e a paz entre judeus e palestinos, inutilmente tentado pelas grandes potenciais ocidentais, inclusive com todo o pelo dos EUA. Mas ele era o homem talhado para ter êxito. Foi a Israel e à ao território palestino e saiu de lá de mãos abanando.

Finalmente, vieram os tropeços do Irã. O presidente brasileiro deu crédito à história de seu amigo Mahmoud Ahmadinejad de que o país só queria enriquecer um pouco de urânio para fins pacíficos e não para fazer artefato nuclear e lançá-lo contra Israel. Lula levou o Brasil, assim, a votar, ao lado somente da Turquia, contra as sanções impostas ao Irã pelo Conselho de Segurança da ONU. Foram 12 votos a favor, 2 contra e uma abstenção, a do Líbano.

Mas o Irã reservava ainda mais um tropeço ao presidente brasileiro. Quando o mundo inteiro (civilizado) se indignou com a iminência da barbárie de se enterrar até o busto uma mulher de 43 anos, mãe de dois filhos, e matá-la lentamente a pedradas, depois de já recebido 99 chibatadas, sob a insólita acusação de, viúva, ter cometido “adultério”, e pediram a Lula que usasse de sua estreita amizade com o tirano iraniano para salvá-la, eis o que ele declarou: “É preciso ter cuidado, porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras. Se começam a desobedecer às leis deles para atender aos pedidos de presidentes, vira avacalhação.”

Tentar evitar uma barbárie, uma selvageria própria da Idade Média, agir em defesa de direitos humanos universais, para o presidente brasileiro seria “avacalhar” leis e costumes de outros países...


Parece que advertido de que sua declaração não soara bem, nem aqui nem no mundo, mudou de posição. Mas foi novamente infeliz. Num comício em Curitiba, disse que iria telefonar para Ahmadinejad e dizer-lhe: “Se essa mulher está causando incômodo, nós a receberemos de bom grado no Brasil.” Quer dizer então que ela, a ser apedrejada, é que estaria a incomodar o tirano? Só se pelo fato de sua desdita ter-se tornado pública..
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O Ministério iraniano do Exterior considerou Lula “muito humano e emotivo”, mas não bem inteirado a respeito do caso. Curioso. Sobre esse horripilante caso, ele não está bem informado. Mas está sobre as intenções do programa nuclear iraniano.

O presidente brasileiro foi mais adiante: deu toque de humor (negro) ao caso, ao cantarolar uma estrofe do samba de Ataulfo Alves: “atire a primeira pedra, ai, ai, ai, aquele que não traiu”.

Não se pode ser ingênuo e imaginar que um país vá romper relações ou ameaçar com retaliações outro país só porque este tem costumes bárbaros, comete crimes contra a humanidade, mas se espera que ao menos os tiranos não sejam tratados como amigos, abraçados e recebidos com banquetes. Business is business, mas há limites.

A propósito de costumes bárbaros, não é apenas Sakineh Mohammadi Ashtiani que aguarda o apedrejamento (por “humanidade”, poderá vir a ser enforcada...). Nos corredores da morte, no Irã, há outros 25 condenados à mesma morte lenta e cruel. No Afganistão, talibãs acabam de matar dez médicos europeus que ali estavam para voluntariamente ajudar a infeliz população. Mas eram acusados de também distribuir Bíblias...

São crimes praticados em nome de religiões. O cristianismo também teve sua cota de insanidades, ao torturar barbaramente e queimar “bruxas” e “hereges”. Mas isso foi lá pela Idade Média e um pouco depois. Causa-nos indignação que correntes do islamismo, em pleno século XXI, exerçam práticas semelhantes. Os dirigentes desses países e juízes que proferem essas sentenças deveriam ser julgados pela Corte Penal Internacional por crimes contra a humanidade.


DEBATE FRUSTRANTE

Foi frustrante o primeiro debate entre os candidatos presidenciais promovido pela TV Band. Além de ter sido transmitido tarde da noite (para a imensa maioria da população, que no dia seguinte tem de sair cedo para o trabalho), coincidiu com importante partida de futebol e teve formato que não permitia maior discussão de ideias. Não bastasse isso, os próprios candidatos evitaram terrenos espinhosos. Salvo o candidato do PSol, Plínio de Arruda Sampaio, que sem nada a perder, defendeu suas (antiquadas) ideias e lançou farpas sobre os outros candidatos.

Um debate para valer deveria partir de perguntas feitas, na hora, por jornalistas, advogados e membros de outros setores representativos da sociedade, a partir das quais os candidatos poderiam dirigir-se uns aos outros.


FICHA LIMPA EM RISCO

Há uma porção de juízes eleitorais, País a fora, empenhados em pôr no cesto de lixo a moralizante Lei da Ficha Limpa. O argumento que usam é o mesmo do ex-ministro do STF Eros Grau (ainda bem que não está mais lá), o de que a Lei feriria dois dispositivos constitucionais: o da aplicabilidade nas eleições deste ano e o da irretroatividade da lei penal.

Ambos os argumentos já foram derrubados pelo TSE. Quanto à aplicabilidade, não houve alterações nas regras eleitorais, caso em que, pela Constituição, a lei só poderia entrar em vigor faltando no mínimo um ano para as eleições. Quanto à retroatividade, a vedação é para a lei penal. Uma lei penal só pode retroagir se for para beneficiar o reu. No caso, porém, não se trata de questão penal (com todo respeito pela opinião contrária de juízes e procuradores eleitorais do Maranhão...), mas de critérios para registro de candidaturas. A Lei da Ficha Limpa não está condenando ninguém. Só está impedindo o acesso à vida pública a quem sofreu condenação imposta por um colegiado. O condenado poderá vir a ser inocentado em instância superior. Até lá, porém, pairam fundadas dúvidas sobre sua conduta. Então, in dúbio pro societate.


HERANÇA MALDITA

Segundo notícia publicada domingo pelo jornal O Estado de S.Paulo, o governo Lula legará ao sucessor saldo a pagar de R$ 90 bilhões, conforme estimativas da área técnica. Novo recorde, superando os R$ 72 bilhões, que passaram de 2009 para 2010. Em 2002, Fernando Henrique deixou para Lula saldo a pagar de R$ 22,6 bilhões.

Para Dilma, o crescimento dos pagamentos pendentes resulta de “investimentos feitos nos últimos anos”. Opinião de candidata à herança...


A VACA LEITEIRA DA TELEFONIA


Quando estava na oposição, o PT combateu fortemente as privatizações feitas pelo governo Fernando Henrique. Não as desfez, porém, quando chegou ao governo. E o jornalista Ethevaldo Siqueira, especializado em informática, indica uma das razões. Na área da telefonia fixa e móvel, o governo recolheu, nos últimos dez anos (quase oito na gestão Lula) nada menos que R$ 330 bilhões só de impostos. “O governo arrecada, nesse setor, o correspondente a 10 vezes o lucro líquido de todas as operadores de telefonia fixa e celular juntas”, diz o jornalista. É por isso, ainda segundo ele, que nós, brasileiros, pagamos uma das tarifas mais altas do mundo. As alíquotas de tributação sobre serviços de telefonia (43% ) são as mais altas do mundo. E o pior é que “em lugar de investir nesse setor vital, o Estado brasileiro prefere usar as telecomunicações como uma vaca leiteira, uma mina de ouro, da qual retira e confisca o máximo”. O sistema de banda larga no País, por exemplo, é uma lástima.

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sábado, 7 de agosto de 2010

O Consenso de Washington e a crise de 2007/8

Ontem eu tive a oportunidade de passar parte de meu dia com John Williamson, economista e pesquisador americano que cunhou o termo Consenso de Washington em 1989 para descrever um conjunto de dez políticas econômicas que seriam desejáveis para os países da América Latina: disciplina fiscal, redirecionamento dos gastos públicos para áreas de retorno social maior, tipo distribuição de renda, saúde, educação básica e infra-estrutura, reforma tributária, com introdução do imposto sobre valor agregado, liberalização financeira, em especial deixar o mercado decidir taxa de juros para empréstimos, unificação da taxa de câmbio e adoção de valor que estimule as exportações, liberalização comercial, retirada de barreiras que impede o fluxo de capital para investimento, privatização de empresas estatais, abolição de barreiras à entrada de novas empresas e um sistema legal que garanta o direito de propriedade.

O Consenso de Washington ganhou rapidamente a oposição dos grupos democráticos da América Latina, que o identificavam como neoliberal e como uma imposição dos países ricos para dominar os pobres.

Eu aproveitei a oportunidade para perguntar a John Williamson o que ele achava do futuro do Consenso de Washington que propunha reformas na direção de liberalização dos mercados, em especial do sistema financeiro quando a atual crise que estamos vivendo parece ser fruto, entre outros aspectos dos riscos assumidos por um mercado financeiro muito liberalizado.

John Williamson me disse que muitos dos pontos do Consenso trouxeram ganhos atemporais, como a disciplina fiscal que evita a inflação, a reorientação dos gastos públicos para áreas sociais mais necessitadas e assim com mais retorno, a reforma fiscal, o equilíbrio macroeconômico. Também disse que o fim das barreiras à criação de novas empresas era muito importante para a economia e as pessoas.

E mais John me disse que nunca foi a favor da completa liberalização dos fluxos de capitais, em especial em economias com sistemas financeiros pouco desenvolvidos. Disse também que ele acha que cometeram-se exageros nas privatizações e que ele errou em não chamar a atenção que a liberalização financeira deveria vir acompanhada de uma melhora substancial na supervisão e regulação bancária. John Williamson acha que o maior erro do presidente do banco central norte-americano, Alan Greenspan, foi não ter prestado a devida atenção à supervisão e à regulamentação bancária.

John Williamson está otimista quanto a economia mundial. Ele acha que a recessão mundial não deve piorar e que o mundo está iniciando sua fase de recuperação.

Oxalá ele esteja certo. Mas tomara que o mundo amadureça e esteja atento à necessidade de aprimoramento das regras de supervisão e de regulação bancaria.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Estou com minha alma LAVADA

Oxalá possa enxaguá-la até o final deste mês!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O PSDB e o Funcionalismo Público

Retirado do Blog do Raul Dusi (http://rauldusi.blogspot.com/) e editado.

Bom dia Vanessa,

Após nosso bate-papo, que aliás foi muito bom, vocês são muito queridos para nós, fiquei refletindo e pesquisando sobre sua dúvida quanto ao Serra.

Você disse que o PSDB persegue o servidor, uma vez que tirou vários benefícios.

É verdade, foi retirada a incorporação das gratificações. Mas não foi retirada por ódio ou por falta de consideração com o servidor. O objetivo foi outro
As gratificações foram criadas com o objetivo de estimular e diferenciar as competências técnicas e valorizar o servidor e com isto criar um incentivo para uma dedicação maior ao serviço público. Uma vez incorporadas elas perdem seu valor. E tornar-se um objeto de injustiça e discriminação com o servidor novo, que não tem o valor incorporado, ou seja eles podem fazer o mesmo trabalho, mas o que incorporou pode estar ganhando muito mais que ele e estas distinções desestimula o funcionário que não tem e não estimula o que tem, pois não vai perder se trabalhar menos. Tempo de caso não é mérito. Atualização técnica e dedicação profissional, sim.
Além desta questão, o PSDB de Fernando Henrique pegou um estado falido e que imprimia dinheiro para se financiar. Assim, por um lado o governo não tinha dinheiro para fazer investimentos importantes de infra-estrutura e o dinheiro que tinha e imprimia era apenas para o financiamento da máquina do governo.

Resultado, quem se beneficiava do governo eram apenas os funcionários bem pagos, a população não tinham o benefício. O oposto, como se financiava com impressão de dinheiro para manter sua máquina o governo criava inflação, que só prejudicava os mais pobres, que não conseguiam se proteger da inflação. De fato, durante muito tempo antes do 1º governo PSDB, FHC tínhamos uma economia onde o poder de compra variava diariamente, devido uma inflação galopante, o poder de compra dos mais pobres era destruído rapidamente e isto fortalecia as injustiças sociais.
O Estado financiava a máquina pública com o pagamento dos salários em detrimento aos investimentos no desenvolvimento da sociedade.

Após o governo FHC, quando o PSDB implantou o plano real e nosso poder de compra aumentou, principalmente dos mais pobres. Pelas pesquisas podemos verificar que houve melhora na qualidade de vida da população.

Assim se hoje você ver um governo tendo dinheiro para gastar com investimentos de infra estrutura, isto se deve à redução dos gastos com funcionalismo durante o governo FHC. Se hoje você vê os pobres viajando de avião, se você pode ligar para seu jardineiro ou diarista em um telefone celular, isto se deve à redução do processo inflacionário que transferia renda destas categorias para as classes que conseguiam se proteger, além é claro da privatização da telefonia, que aumentou a oferta e a concorrência entre as empresas.

Então o PSDB não era, nem é contra o servidor. O PSDB ao contrário é parlamentarista. No sistema parlamentar o servidor público tem que ser qualificado, tem que chefiar a gestão pública e tem que ter estabilidade, pois muda o ministério, ou o governo, mas não muda a administração pública. Por isto o grupo que criou o PSDB inspirou a criação da ENAP, desejava ver uma burocracia sólida e baseada no treinamento e aperfeiçoamento, livre da intromissão política no preenchimento dos cargos de gestão pública.

O PT que apoiou o presidencialismo queria e quer uma administração subordinada a sua visão de governo. Por isto criou tantos cargos de comissão para serem preenchidos por militantes e não pelos servidores de carreira. Bem pagos sim, mas subserviente ao mandatário do ministério. Mudou ministro, mudou governo muda tudo, não há continuidade administrativa.

O PSDB quer dinheiro público aplicado nas necessidades públicas, por isto quer uma máquina eficiente, enxuta e objetiva, deixando a maior parte dos recursos públicos para serem utilizados em investimentos que mudem a sociedade e também aumentem a capacidade produtiva do país.

Utilização de recursos públicos racionalmente evita a necessidade de inflação para financiar o setor público, e isto é muito bom para a nossa sociedade, principalmente para os mais pobres e também ajuda nos investimentos sociais e produtivos necessários para transformar o país em um Brasil de primeiro mundo.

FHC fez isto e o governo do PT usufruiu do esforço fiscal e administrativo feito nos oito anos de administração FHC, por isto teve tanto sucesso.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Social Democracia:Suécia

O Emanuel é meu amigo, professor de Warwik e tem escrito sobre sobre assuntos correlatos à social-democracia e a necessidade de participação do Estado para correção de erros de mercados

O Brasil pode ser a Suécia de amanhã?
Publicado na Folha de São Paulo (09/04/2009 - 08:44)

Como reduzir os níveis de desigualdade de nosso país para que possamos colher os frutos que recompensam sociedades mais igualitárias?

Artigo de Octávio Luiz Motta Ferraz e Emanuel Kohlscheen

MESMO QUEM não acredita que a redução das desigualdades socioeconômicas seja uma exigência de justiça social, conforme estampado na Constituição brasileira, tem razões de sobra para desejá-la ao menos instrumentalmente, isto é, como política pública comprovadamente eficiente no combate a várias mazelas sociais.

Países menos desiguais ostentam em regra índices menores de criminalidade, melhores níveis de saúde pública, maior confiança e solidariedade entre as pessoas e maiores perspectivas de desenvolvimento sustentado. Essa relação, bastante intuitiva, vem sendo confirmada em diversos estudos empíricos analisados e divulgados em recentes relatórios de instituições internacionais (ver, como exemplo, o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2006: Equidade e Desenvolvimento, do Banco Mundial).

A mensagem desses estudos é bastante clara. Ainda que não se acredite no valor moral intrínseco da igualdade, é melhor para todos viver numa sociedade mais igualitária.

Mesmo nos países desenvolvidos, em regra muito menos desiguais que o resto do mundo, é possível verificar o fenômeno das patologias da desigualdade, como bem as denominou o filósofo político Brian Barry, da Universidade Columbia (EUA).

Para citar apenas alguns dados, americanos e britânicos, apesar de viverem em dois dos países mais ricos do mundo, ocupam, respectivamente, a 36ª e a 46ª posições no ranking mundial de expectativa de vida, segundo dados do próprio governo americano ("CIA Factbook", 2008).

Os EUA são também o país desenvolvido com a maior taxa de homicídios, quase dez vezes superior à média da Europa (Banco Mundial, 2002). A maior desigualdade das sociedades britânica e americana é apontada como fator contributivo importante dessas discrepâncias em relação aos demais países desenvolvidos.

O Brasil, apesar da recente queda de desigualdade registrada por órgãos de pesquisa (Ipea, IBGE), continua a ser um dos países mais desiguais do mundo e a sofrer, consequentemente, das patologias da desigualdade. Como, porém, reduzir mais rápida e significativamente os níveis de desigualdade de nosso país para que possamos colher os frutos que recompensam sociedades mais igualitárias?

Numa economia capitalista, o principal mecanismo de equalização é necessariamente a redistribuição, pelo Estado, das riquezas originariamente distribuídas de maneira desigual pelo mercado. E o mecanismo mais eficiente para isso é a combinação de impostos progressivos com investimentos sociais generosos nas áreas da educação e saúde públicas e nas redes de proteção social, como o seguro-desemprego (as políticas do chamado Estado de bem-estar social).

Nada muito diferente, portanto, do que fizeram a Suécia e outros países que resistiram melhor à onda neoliberal nascida nos EUA e na Grã-Bretanha, hoje totalmente desacreditada pela grave crise financeira mundial.

Assolada por níveis espantadores de pobreza no século 19, a Suécia investiu pesadamente na infraestrutura social e, principalmente, na educação dos seus cidadãos, o que continua até hoje, ancorando a competitividade do país na economia globalizada. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento acima de 3% do PIB resultam na maior taxa mundial de registro de patentes de novos produtos per capita.

A Suécia figura hoje entre os países mais ricos do mundo. É evidente que a manutenção dessas políticas tem custos que só podem ser financiados pela adoção de impostos progressivos -o outro lado da moeda. O Imposto de Renda na Suécia chega a quase 60% para os mais ricos, enquanto no Reino Unido chega a 40%, nos EUA, a 35%, e no Brasil, a 27,5%. Cidadãos e políticos suecos entendem que esse é o preço justificado da manutenção de uma sociedade desenvolvida, segura e saudável.

Resta, então, responder à pergunta do título deste artigo: poderia o Brasil se transformar em um país tão igualitário como a Suécia e colher os claros benefícios dessa opção política? O último relatório da OCDE sobre a economia da América Latina traz um dado que talvez surpreenda a muitos: as desigualdades da Suécia não são tão diferentes assim das do Brasil quando analisadas pré-atuação estatal, ou seja, pela mera alocação do mercado. Implementar as políticas fiscais e sociais necessárias para nos transformarmos num país mais igualitário é, portanto, uma questão de vontade política. Parafraseando o novo presidente americano, a resposta é: "Sim, podemos!".

OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ, 37, mestre em direito pela USP e doutor em direito pela Universidade de Londres, é professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido). Foi assessor sênior de pesquisa do relator especial da ONU para o direito à saúde (2006).

EMANUEL KOHLSCHEEN, 35, doutor em economia pela Universidade de Estocolmo (Suécia), é professor de economia da Universidade de Warwick (Reino Unido).

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

02/08/2010

DILMA E SEU ESTILO

Ary Ribeiro

Em sua edição de ontem, domingo, o jornal O Estado de S.Paulo dedicou duas páginas a uma entrevista concedida pela candidata Dilma Rousseff aos jornalistas João Bosco Rabello, João Domingos e Ricardo Grinbaum.

Está dividida em duas partes: uma política, outra econômica. Nesta última, a candidata sente-se em “sua praia”, esbalda-se com números e informações com os quais cansou de lidar enquanto ocupou o Ministério das Minas e Energia e a Chefia da Casa Civil.

Na parte política, no entanto, ela não consegue disfarçar o incômodo que lhe causam quase todas as perguntas e reage quase sempre com certa agressividade – estilo que dizem que ele sempre usava no trato com auxiliares, jornalistas e até mesmo ministros de Estado.

Para reflexão, vão aqui algumas perguntas e parte das respostas:

Sobre o caráter intervencionista do primeiro programa da candidata, registrado no TSE e depois, diante das reações adversas, substituído, Dilma diz que a repercussão lembra o episódio do medo na primeira eleição de Lula.

Jornalista – Naquela ocasião, a menção ao medo foi mais vaga. Agora se trata de um programa de governo...

Dilma – Vaga? Você me desculpe, mas hoje continua sendo um discurso (...)

J – Mas no primeiro programa está escrito: o controle social da mídia...

D – Não está! Não está com essas palavras. (...)

J – Em vez de controle social, está escrito controle público dos meios de comunicação. Qual a diferença?

D – Você já viu controle social do setor petróleo? Controle social do setor de energia elétrica? Não existe isso. (Qual seria a relação entre uma coisa e outra?) O controle social sobre a mídia é... como se chama aquilo? Controle remoto. O melhor controle é o controle remoto. Quando nós tivemos – e ainda temos – o poder de fazer, jamais fizemos isso.

(Os jornalistas deixam de pedir que ela esclareça o que vem a ser exatamente “controle remoto”, mas pela sequência dá para entender que se trata de pressão.)

J – Quando é que vocês tiveram o poder de fazer?

D – Uai (a expressão, aconselhada por marqueteiros, é para lembrar sua origem mineira), dentro do exercício do governo. Jamais, em momento algum, fizemos qualquer tentativa de censurar, coibir, jamais, em tempo algum, reclamar de jornalista.

(Pela Internet se atribuiu ao governo o fato de o apresentador Boris Casoy ter andado bom tempo fora da televisão e sua associada, Salete Lemos, não mais ter voltado, mas nenhum dos dois disse nada e não se pode concluir que tenham sido atingidos por algum “controle remoto”.)

J – Mas a queixa é válida, a censura ou o controle é que não...

D – Não, querido. (...) Tem uma clara tentativa de coibir o jornalista. A mim me espanta que você ache válida.

J – E em relação à questão agrária...

D – (...) Temos clareza absoluta. Nós não somos o MST.

J – Mas tem as invasões...

D – Reduziu. E não condeno de hoje não. Condeno desde o início do governo Lula. Ele condenou também explicitamente. (...)

(Ela e o presidente podem ter condenado as invasões, mas o governo tratou de dificultar a retirada de invasores. Em 11 de abril de 2008, o Ministério do Desenvolvimento Agrário editou um “Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva”. Ou seja, estabeleceu como essas decisões judiciais devem ser cumpridas. A autoridade policial, em atenção aos direitos humanos, tem de fazê-lo articulada com quase uma dezena de entidades. E as invasões são denominadas de ocupações.)

J – O João Stédile está anunciando que no seu eventual governo vão aumentar as invasões.

D – Bem, talvez o Stédile tenha assim uma certa coisa contra mim. Mas não vai ser mole.

J – Ele não se sente estimulado porque o governo está sendo tolerante com as invasões?

D – Ah, é? E por que reduziu, hem? (...)

J – Talvez o momento eleitoral...

D – Negativo. Reduziu porque fizemos uma política que tirou as principais bandeiras deles.

(Sobre presos políticos em Cuba, Dilma diz ser radicalmente contra qualquer prisão política. Uma resposta genérica. Para Fidel, não há presos políticos em Cuba e sim criminosos comuns.)

J – O caso do dossiê (que seria usado contra Serra), ficou agravado pela quebra de sigilo ocorrida na Receita Federal...

D – O que não vou aceitar, em hipótese alguma, é que queiram colocar no colo da minha campanha papeis que não foram produzidos no nosso ambiente. Nós não vamos aceitar isso (bate na mesa)! E mais: não vamos concordar com acusações de quem não pode provar ou de quem acusa e não mostra.

J – Mas essa quebra do sigilo não mostra que há um certo empenho pela produção desse tipo de conteúdo?

D – Quero saber onde está que alguém da minha campanha quebrou o sigilo. Qual é o princípio fundamental da democracia? Quem acusa que prove.


ÍNDIO NÃO QUER APITO

Ao contrário do proclamado na famosa marchinha de carnaval de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira: “Ê ê ê ê ê índio quer apito/ Se não der pau vai comer”), os índios brasileiros, como desde a chegada dos colonizadores europeus, não querem saber de apito e sim de integrar-se à civilização. No passado, os objetos de desejo eram armas de fogo, espadas, facas, serras, espelhos, roupas e outras quinquilharias. Hoje, são trator, televisão, telefone celular, Internet, escola e saúde.

Isto vem a propósito de recente resposta que o comandante de um Batalhão do Exército, na Amazônia, deu ao ser indagado sobre os problemas indígenas locais. "Isso é coisa de São Paulo e Brasília. Aqui índio quer é ver TV no quartel e ser cuidado pelo meu serviço médico..."

Em vez de ir ao encontro da aspiração indígena, o governo (e não apenas o atual) tem feito o que algumas ONG e antropologistas pedem: que sejam reservadas a povos indígenas imensas áreas do território nacional (muitas das quais nas fronteiras), a fim de que fiquem preservados ali como amostras vivas de remoto passado. Para não dizer que talvez isso dissimule também escusos interesses estrangeiros, porque esses territórios ficam como que apartados da soberania nacional. São como nações dentro da Nação.

Para que as desmesuradas extensões das reservas, se os índios nelas localizados não mais vivem da caça e da pesca, não são povos nômades, que mudam de um lugar para outro quando a alimentação escasseia? Esses índios, hoje, cortam e vendem madeira (até ilegalmente), cultivam a terra e anseiam pelos bens da civilização.

Está aí uma política que deveria ser revista pelo próximo governo. Os índios, com certeza, aplaudiriam.

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