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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

12/04/2010


SEM DIVISÕES NO PAÍS

Ary Ribeiro *

Impossível deixar de lembrar dos memoráveis dias da campanha das Diretas-já e da eleição de Tancredo Neves diante do entusiasmo suscitado pelo encontro nacional promovido pelo PSDB, sábado, em Brasília.

Ao oficializar sua tão esperada pré-candidatura à sucessão presidencial, Serra foi incisivo em dois pontos: primeiro, que não se deve esperar dele nenhum ato, nenhum gesto para dividir brasileiros, para jogar Norte contra Sul, pobre contra rico, rico contra pobre; segundo, o Brasil pode mais.

De fato, se o Brasil atravessa boa fase, se a grande maioria dos brasileiros está razoavelmente satisfeita, isto se deve ao que foi construído ao longo de sucessivos governos, desde as bases do agronegócio até a organização das finanças públicas, passando pela instituição do Plano Real – que salvou os salários da corrosão inflacionária. E ao fator sorte, que concedeu ao atual governo seis anos de cenário internacional sem crises. O mérito do presidente Lula, como disse uma articulista no Wall Street Journal, foi não ter desfeito as conquistas monetárias e fiscais de Fernando Henrique. Então, há muito por fazer. E pode ser feito.

Os discursos, principalmente os de Fernando Henrique, José Serra e Aécio Neves, brilhantes na forma e no conteúdo, fizeram lembrar realmente os dos saudosos Ulysses Guimarães e Mário Covas, entre tantos outros, na empolgante luta pelo fim do regime militar.

Derrotada a emenda Dante de Oliveira (que estabelecia eleição direta para Presidente da República), a oposição, comandada pelo então MDB, com apoio de uma dissidência do partido da situação, a Arena, decidiu participar da eleição indireta, com a candidatura de Tancredo Neves.

Da primeira campanha, o PT de Lula participou; da segunda, não. Preferiu deixar o campo aberto para a vitória de Paulo Maluf – que significava o prolongamento do regime militar não se sabe por quanto tempo mais – a eleger Tancredo, ainda que pelo Colégio Eleitoral, mas com a expectativa concreta de pôr fim ao período autoritário.

Aliás, o PT não só se recusou a votar em Tancredo – tendo expulsado três deputados que o fizeram – como, depois, se colocou contra o pacto social que Tancredo julgava indispensável para permitir transição mais tranqüila, do regime autoritário para o democrático, a exemplo do que ocorrera pouco antes, na Espanha (o Pacto de Moncloa e outros).

Quem conta isso é o ex-ministro Almir Pazzianotto, que foi advogado de Lula quando ele se iniciava na vida sindical. Escolhido por Tancredo para ser ministro do Trabalho (e confirmado, depois, por Sarney) recebeu dele a incumbência de negociar o pacto com empregados e empregadores.

“Enquanto Joaquim dos Santos Andrade, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e da Conclat – disse Pazzianotto, em recente artigo publicado no Estadão – reconhecia a gravidade da crise e se revelava disposto a colaborar, a associação CUT-PT abria hostilidades contra o dr. Tancredo. (...) Um desvairado Jair Meneguelli panfletava fábricas com a seguinte mensagem: Metalúrgicos vão à greve contra o pacto. (...) O Jornal da Tarde estampava a manchete: A CUT e o PT declaram guerra a Tancredo. (...) Os fatos revelariam que PT e CUT não blefavam. (...) Na manifestação de 1º de maio, realizada na Praça da Sé, Meneguelli esbravejava: Vamos parar o Brasil de Norte a Sul. De fato, o Brasil via-se atacado por milhares de greves políticas e selvagens.”

Causou espécie, por isso, que, depois de tudo, a pré-candidata do PT tivesse iniciado sua campanha-solo (sem Lula) depositando, sorridente, uma coroa de flores justamente no túmulo de Tancredo Neves. É verdade que ela não participou daqueles acontecimentos. É cristã nova na seara petista...

SUJEIRA

O projeto ficha limpa é batata quente nas mãos do governo e do Congresso. Como se sabe, chegou ao Parlamento como iniciativa popular prevista na Constituição, tendo por trás 1,6 milhão de assinaturas. Representava a reação da sociedade contra tantas denúncias de mau comportamento de políticos e sobretudo ao fato, bem conhecido, de que muitos buscam mandato popular para pôr-se a salvo de processos.

Primeiro, procurou-se, na Câmara dos Deputados, fazer corpo mole, deixando a proposição caminhar bem vagarosamente. Ocorre que a imprensa e as várias entidades da sociedade civil que estão à frente da iniciativa, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não deixaram o assunto morrer.

A proposição original estabelecia a inelegibilidade de quem fosse condenado na primeira instância ou tivesse denúncia recebida por órgão colegiado, por crimes dolosos contra a vida, de abuso de autoridade, contra a economia popular, a fé pública, a administração e por tráfico de drogas.

Para tentar reduzir as resistências, estabeleceram, na Câmara, que só seria inelegível quem fosse condenado por órgão colegiado, sob o argumento, válido, de que seria temerário permitir que um juiz singular, sujeito, por vezes, a contingências imperiosas, principalmente em pequenas cidades do País, acabasse por truncar a carreira política de alguém. E em troca, incluíram mais alguns tipos de crime: racismo, tortura, terrorismo e lavagem de dinheiro.

Nem assim. O presidente da Câmara, Michel Temer, ia pô-lo em votação, mas não deixaram. Talvez pelo fato de haver, no Congresso, muitos parlamentares investigados pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de alguns integrarem suas bancadas, o PSDB e o DEM tomaram posição a favor do projeto; o PT e a base aliada, contra. E o governo fica sem saber bem o que fazer: não quer contrariar seus aliados, mas também não quer, num ano eleitoral, ficar contra expressivas entidades da sociedade civil.

Os que são contra invocam argumento constitucional: ninguém é culpado sem condenação transitada em julgado. Seria correto se não estivesse em causa o interesse maior da sociedade. Se alguém é condenado por um órgão colegiado – uma segunda instância, portanto, muito mais isenta – pode até vir a ser absolvido, anos depois, em última instância. Até lá, paira sobre ele no mínimo a dúvida. Como indivíduo, ela o beneficiaria (in dubio pro réu), mas se é candidato a cargo eletivo, se pretende ser representante do povo ou do Estado, a dúvida deve ser tomada a favor da coletividade. Se há fundada dúvida, melhor que fique adiada a pretensão política.

Agora estão pretendendo fazer outra alteração no projeto, a qual, se prevalecer, o tornaria inócuo: o condenado poderia recorrer a Tribunal superior, tendo o recurso efeito suspensivo e poderia beneficiar-se de liminar, com o que praticamente lhe estaria assegurado o direito de disputar a eleição. O efeito suspensivo já seria quase suficiente para isso. E uma liminar dificilmente deixaria de ser concedida, pois estaria em causa suposto direito individual.

* O autor é jornalista e escreve às segundas neste Blog.

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