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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Coluna do Ary: Tempos Cinzentos

Ary Ribeiro*

O ano, no Brasil, costuma-se dizer, começa depois do carnaval. Então, preparemo-nos para ele, que não promete ser fácil.

Em Brasília, temos o governador titular preso, sob acusação de obstruir a Justiça, o vice-governador, ora em exercício, sob acusação de envolvimento no mesmo esquema de corrupção e com pedidos de impeachment protocolados na Câmara Distrital e ameaça de expulsão do seu partido, o DEM, e, para culminar, um pedido de intervenção federal.

Então, neste “início” de ano, vamos assistir aos desdobramentos desses episódios, com o Supremo Tribunal Federal deliberando sobre a liminar do ministro Marco Aurélio, que manteve a prisão do governador Arruda, e sobre o pedido de intervenção no Distrito Federal. Eminentes juristas disseram não ver justificativa para essa medida, que atingiria a autonomia política e administrativa de Brasília – o que não seria de todo um mal, dado ter sido justamente ela a causa de toda a podridão a que estamos assistindo. Não se deve esperar, porém, pela intervenção, seja por serem frágeis os motivos alegados, seja por haver um mundo de interesses em sentido contrário. Por essa mesma razão também não se pode esperar pela volta à situação anterior, em que Brasília, por não ser um Estado e sim sede do Governo Federal, tinha o governador nomeado pelo Presidente da República (que podia também demiti-lo a qualquer momento), não tinha Câmara Distrital (cabia a uma Comissão do Senado legislar para Brasília) e não tinha representação no Congresso, embora devesse tê-la na Câmara dos Deputados.

Na Câmara Distrital, segundo a imprensa, registra-se mudança de situação. Vários deputados situacionistas vão abandonando a defesa de Arruda. Rei morto, rei posto... E os pedidos de impeachment contra o governador em exercício, Paulo Otávio? Ele alega serem descabidos, porque não praticou, como governador, nenhum ato que lhe desse causa. É um argumento técnico. No Congresso, ninguém também pode ter o mandato cassado com base em ações pretéritas, por mais condenáveis que tenham sido. Mas, numa Casa política, como é a Câmara Distrital, nem sempre prevalecem argumentos técnicos ou jurídicos.

No plano nacional, o ano “começa” com a notícia de que a dívida mobiliária federal chegou a R$ 1,4 trilhão, 44,7% do PIB, mais que o dobro da dívida herdada do Governo do PSDB de 0,6 trilhão (35,7% do PIB) e crescimento de 133 bilhões de reais em apenas um ano. Uma herança e tanto para o(a) sucessor(ora). O problema não é apenas do Governo Federal. A dívida das famílias brasileiras com cartões de crédito, empréstimos, compras diversas, segundo o jornal O Estado de S.Paulo, alcançou, no fim de ano passado, R$ 555 bilhões, representando 40% da renda anual da população. Um recorde. Mas não parece preocupar muito os endividados, pois a aprovação do presidente e do seu governo permanece em altos patamares.

Tampouco parece preocupar o governo. Sua atenção está voltada para as eleições deste ano. A Oposição que se prepare, porque o jogo promete ser duro. Não teremos futebol, mas rugby. O fato de o presidente Lula estar fazendo o que a Oposição denuncia como campanha antecipada – denúncias até aqui recusadas pelo Tribunal Superior Eleitoral – não é nem o começo do que virá por aí. Recentemente, atribuindo aos oposicionistas a promoção de “agressões”, ele disse (depois amenizou) estar preparado para enfrentá-los de igual para igual. "Pelos sinais que eu vi... – declarou – vale chutar do peito para cima. O que eles não sabem é que eu sou capoeirista.”

Realmente, não se pode esperar que centenas ou milhares de pessoas estejam dispostas a deixar tranqüilamente o paraíso das mordomias e dos altos e polpudos cargos, como se fosse troca natural de partidos no poder, mudanças de rumo na administração. Para muitas pessoas, houve substancial mudança de status. Circula pela Internet uma lista de ex-dirigentes sindicais que hoje ocupam postos na administração federal ganhando muitas vezes mais do que nos sindicatos, sem falar nos salários que tinham como trabalhadores.

A Oposição, por sua vez, com certeza, não ficará inerte. Uma amostra disso ela já deu às vésperas do carnaval, quando, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, aproveitando-se de descuido da base governista, aprovou a convocação da ministra Dilma Rousseff, para prestar esclarecimentos sobre tema explosivo, o controvertido Plano Nacional de Direitos Humanos-3.

Enfim, não haverá somente uma quarta-feira de cinzas, mas tempos cinzentos.

* O autor é jornalista.

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