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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Entrevista Egídio Ferreira Lima

ENTREVISTA » EGÍDIO FERREIRA LIMA “O Brasil vive a democracia plena”Publicado em 07.12.2008
JC – Como o senhor vê a criação do instituto?
EGÍDIO FERREIRA LIMA – Achei louvável e reverencio a percepção desses advogados. O instituto nasce, sobretudo, da fase que o País está vivendo. A partir da Constituição de 1988, o processo político se estabeleceu, o regime se estabilizou e a democracia se tornou efetiva. Ela pode requerer aperfeiçoamento, amplitude, mas está aí.
JC – O fato de levar seu nome, foi uma surpresa?
EGÍDIO – Sim, me tocou muito. Mexeu comigo, emocionalmente. Eu fiquei sem entender, no primeiro momento, o porquê. Estou vivo, não morri ainda (risos). Pensei se essa valorização não seria excessiva. Esse olhar sobre a minha tarefa, se não era um erro, uma simpatia ou relação de amizade, de ex-alunos que me admiram... Ainda hoje eu estou emocionalmente não muito assentado com isso.
JC – O que acha do objetivo dessa iniciativa?
EGÍDIO – É um objetivo claro, sério, altamente necessário. É a essência, inclusive, dessa nova fase da política brasileira, que desperta o pensamento das elites – no melhor sentido da expressão – sobre o que é a democracia, como fazê-la, como concorrer para a estabilidade dos poderes, o que eles significam, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Quais as corporações, as instituições que integram o processo democrático real: sociedade e Estado, sociedade e poder. Acho que esses 20 anos da Constituição fermentaram o pensamento dessa elite. Isso ocorre, aliás, em todas as nações, em todo o curso da formação da democracia americana, dos Estados Unidos, que são o melhor exemplo histórico, a partir da sua independência, da democracia consensual que nasce do sufrágio universal. Por mais que sejamos críticos ao poderio econômico dos Estados Unidos, que cria problemas para outros países, havemos de reconhecer que sob o ponto de vista político, do papel do Estado, da presença da sociedade, eles são um exemplo para o mundo todo.
JC – O senhor falou sobre os 20 anos da Constituição, e o senhor foi um deputado constituinte de destaque. Tem visto a Carta funcionar, mesmo com as lacunas que ainda existem?
EGÍDIO – No momento em que a Constituição foi promulgada, surgiram os críticos, que generalizaram. Disseram que ela era excessiva, prolixa, particularizante. Que muita coisa deveria ter ficado para lei ordinária. Mas não olharam para um lado. A Constituição não é boa ou ruim por ser sintética ou analítica, concisa ou extensa. Ela é importante e fundamental quando se legitima. E a nossa foi a primeira do Brasil e talvez a primeira no mundo cujo processo de elaboração contou com a presença da sociedade, das entidades não estatais. Em 1987, em Brasília, havia um mundo de pessoas circulando, empresários, sindicalistas, estudantes, que percorriam os corredores do Congresso, analisavam, pressionavam, discutiam. Ulysses Guimarães mandou fazer uma pesquisa e constatou que, diariamente, passavam, em média, cerca de 13 mil pessoas pelo Congresso. Então, ela legitimou-se no seu processo. Quando foi promulgada, já era legítima. Imagine Lula candidato sem essa Constituição? Imagine a reação dos militares, do empresariado? A democracia nasceu com a Carta. Organizou e definiu os poderes. Se fosse em outra época, Lula não teria assumido, haveria um rompimento da ordem constitucional. Ela pode ser prolixa, mas não há constituição mais completa que a nossa.
JC – Apesar das lacunas que ainda existem?
EGÍDIO – Há mais excessos que lacunas. Por exemplo, regulamentar lacunas de matérias que deveriam ter sido constar como leis ordinárias. Mas isso é secundário. Se ela legitimou-se, na organização dos poderes, nas garantias individuais, na organização econômica, na vida social. Se nos últimos 20 anos a Constituição não fosse legítima, o pedido de impeachment de Collor seria votado? Ele teria sido deposto? As cassações dos parlamentares no mensalão e em tantos outros episódios – alguns escapam, é verdade –, mas haveria? Antônio Palocci, José Dirceu, Antônio Carlos Magalhães, teriam sido processados? Uma comissão de orçamento praticamente inteira foi cassada, no caso da CPI dos Anões do Orçamento.
JC – O senhor vê a Constituição como muito completa, mas concorda, por exemplo, que há a necessidade de uma reforma política?
EGÍDIO – Mas isso independe da Constituição. O Poder Judiciário, por exemplo, está muito bem estruturado. O Ministério Público também. O Legislativo está bem estruturado. O que há são vícios, corrupções, imprecisões, dos integrantes dos poderes, que não se democratizaram ainda, não cresceram. Não pensam como esse grupo de advogados que agora estão criando o instituto. Eles não pensam na política maior, institucional, o papel do Legislativo, da Justiça, como os processos devem ser julgados, os prazos, cumpridos. A democracia brasileira está numa fase que já anda por ela mesma, graças ao capital decorrente da legitimação.
JC – Neste mês, o Ato Institucional 5 (AI-5) completa 40 anos desde a sua promulgação. O senhor acha que os efeitos autoritários estão superados?
EGÍDIO – Foi o ato que me cassou quando era deputado estadual. Mas os efeitos estão superados, não há mais seqüelas. Até a anistia para todos. Tem militares ainda brigando, mas isso não vai fermentar. Até acho que esse debate tem sentido, porque os criminosos de guerra da Alemanha, por exemplo, foram julgados, os crimes não prescreveram.
JC – Mas foram julgados por um tribunal internacional, em Nuremberg...
EGÍDIO – Mas no fundo é a mesma coisa, o fundamento. Por que eles não podem ser processados? Porque todos foram anistiados. A guerra foi um pacto, os derrotados se submeteram aos vencedores, houve uma intervenção, que hoje ainda há resquícios na Alemanha e na Itália. Mas o direito de punição do Estado não se afastou, continua. Vinte anos atrás ainda havia pessoas sendo punidas pela guerra. Nós podemos dizer que as questões da ditadura estão todas resolvidas, desde o dia 5 de outubro de 1988. A partir de lá, qual foi o ato de exceção, de grupos, de corporações, que atentaram contra o sistema, que torturaram, que perseguiram setores da sociedade brasileira? As prevaricações de presidentes, ministros, parlamentares, servidores, têm sido punidas. Eles foram cassados, processados. Palocci, Dirceu, Ibsen Pinheiro, José Genoíno, ACM. Eles todos perderam a estatura, desapareceram depois que prevaricaram e foram punidos. Isso é a democracia. O que há são excessos e falhas decorrentes das pessoas, mas não da democracia. Essa crise que está aí, é da democracia? Não, é do sistema econômico, do lucro excessivo das empresas. É provocada por elas próprias. E mais: nunca a imprensa brasileira foi tão livre. Há excessos, e não há como combatê-los, porque se corre o risco de reprimir. Mas a imprensa, livre, publica toda a bandalheira, as canalhices. A corrupção, a falta de probidade do homem não é nova. Estava debaixo do tapete, dentro dos armários, sempre. Agora, está sendo exposta. Isso é bom para o Brasil, faz a nação evoluir. A democracia tem falhas, mas o importante é ter mais virtudes que falhas. A sociedade vive de exemplos, para o mal ou para o bem. E deve prevalecer o bem. Um homem pode ser duro, pode ser difícil, mas tem que ser reto, sério. Todo mundo aplaude. Até os que não são, aplaudem.

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