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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Constituição e pacto social

A propósito dos 20 anos da Constituição de 1988, a imprensa vem publicando artigos que enfatizam entraves do texto constitucional ao crescimento do país, esquecendo-se, os autores, de que o processo constituinte de 1988 deu ao Estado brasileiro o que ele mais carecia desde sua criação: a unidade em torno de um arcabouço institucional, o alicerce que permite posições tão opostas como os sem-terra e a UDR conviverem sem provocar guerra civil. O pacto social defendido desde os tempos de Frei Caneca, mas só agora alcançado. Desde 1988, existem aqueles que acreditam que a Constituição de 1988 criou um Estado cheio de incoerência e ingovernável. Para eles, uma pequena revisão na Constituição de 1967, ou mesmo o projeto da Comissão Afonso Arinos, um texto sucinto, teria sido melhor, pois seria mais coerente, objetivo e mais útil para o Brasil. No entanto, ao rejeitar o projeto enxuto da Comissão Afonso Arinos e propor que a escritura do texto constitucional começasse do nada, por meio do mecanismo de subcomissões temáticas, comissões temáticas, comissão de sistematização e votação em plenário, o então relator do Regimento Interno, senador Fernando Henrique, acabou por suspender direitos e garantias temporariamente, forçando a sociedade a se articular para lutar pelo estado de direto que desejava. Os grupos sociais se organizaram, dos mais pobres aos mais ricos, fizeram encontros e reuniões para entender sua participação na antiga ordem, decidir o que queriam ser no novo estado de direito em construção. Vieram a Brasília, pressionaram, fizeram manifestações. Brasília tornou-se a nação. Nunca o Congresso foi a Casa do Povo como quando durante o processo constituinte de 1988, processo que acabou sendo extremamente benéfico para a organização da nação brasileira e para a reconstrução do estado de direito. A lei seria vista como instrumento de garantia do direito em vez de ter papel preponderantemente repressor, característico do regime autoritário. O texto é complexo e muitas vezes contraditório, mas, mais importante do que as contradições internas, do que a excessiva pormenorização criada no texto da Constituição de 1988, é a legitimidade nascida da participação popular. De que adiantaria reformar a Constituição de 1967 ou aprovar o texto da Comissão de Afonso Arinos, ter uma Constituição curta e objetiva como a americana, se ela não representasse naquele momento e quem sabe ainda agora, 20 anos depois, a vontade da nação? Com todos os defeitos (que, em boa parte, têm sido corrigidos), a Constituição de 1988 é a mais legítima de todas. É o primeiro Contrato Social no estrito senso, escrito pelos representantes do povo em um processo de completa interação entre sociedade e legisladores. A de 1891 foi palco de golpe militar logo no terceiro ano de sua existência. A de 1934 durou três anos. A Constituição autoritária de 1937 foi substituída pela Constituição Democrática de 1945, que foi base para 19 anos de frágil democracia, na qual participantes sociais e seus representantes estavam sempre a questionar os resultados eleitorais. Foi um período marcado por muitas tentativas de golpe e contragolpes de Estado. A Constituição de 1967 era um conjunto de normas criado pelo detentor do poder armado. Perdeu eficácia com a campanha das diretas-já, de 1983, e o retorno à democracia. Ao contrário de todas as outras, a Constituição de 1988 chega aos 20 anos sem nenhum golpe, sem nenhuma tentativa de quebra do estado de direito e com o reconhecimento generalizado de que pode e deve ser aperfeiçoada, mas não substituída. A eleição de Lula, em 2002, foi a coroação desse estado de direto. Ela garante que qualquer grupo político pode aspirar a governar a nação e chegar lá, desde que se submeta ao estado de direto e respeite os contratos preestabelecidos. Distúrbios existirão, mudanças também, aperfeiçoamentos serão sempre bem-vindos. Mas a base do acordo social firmado em 5 de outubro de 1988 continuará por muito tempo, permitindo a coexistência pacífica de visões distintas e a convivência da tão diversificada sociedade brasileira como uma nação.
Publicado no CorreioBraziliense de 27.10.2008

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