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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

20/09/2010


DIVISÃO DO PODER
Ary Ribeiro

Por enquanto, Dilma Rousseff está eleita apenas pelos institutos de pesquisa. Mesmo que as pesquisas estejam corretas, elas refletem o quadro do momento, quadro que ainda poderia ser alterado, embora falte muito pouco tempo para isso. Se houvesse, no País, um sentimento de indignação diante da revelação do que ocorria na Casa Civil da Presidência da República, podia-se esperar por alguma reviravolta. Mas não se percebe esse sentimento.

O que tem vindo a público é de estarrecer. Muitos simpatizantes do lulapetismo dão de ombros, dizendo que isso sempre existiu, em todos os governos. Não é verdade. Corrupção, sim, sempre existiu. Não, porém, com tal desenvoltura, de forma tão transparente, para usar expressão muito a gosto, inclusive de ocupantes do poder. Um funcionário, Vinícius de Oliveira Castro, segundo a revista Veja, chegou um dia para trabalhar, abriu a gaveta de sua mesa e deparou com um envelope, dentro do qual estavam R$ 200 mil em dinheiro vivo, “um presentinho da turma responsável pela usina de corrupção”. Isto, a poucos metros das salas da ministra, que ainda era Dilma Rousseff, e de sua mão direita, Erenice Guerra, que ela deixou em seu lugar quando se desincompatibilizou para concorrer à eleição.

Quando surgiram as primeiras denúncias, atingindo a então ministra Erenice Guerra, o Palácio do Planalto reagiu como se previa: passou o caso para o Conselho de Ética Pública. Era uma forma de dar aparente satisfação ao País e encerrar o assunto. A imprensa, contudo, agindo com a costumeira liberdade investigativa – que tanto desagrada os ocupantes do poder – descobriu que havia coisas mais graves, envolvendo vários membros da família da ministra. O governo, percebendo que o fogo poderia chamuscar a candidata oficial, não teve outro jeito senão livrar-se da ministra, acolhendo a carta de demissão que ela encaminhou ao presidente da República.

As primeiras denúncias não abalaram a posição de Dilma Rousseff nas pesquisas. Pode ser que os fatos novos – apesar de explorados apenas timidamente pela campanha de José Serra – produzam algum efeito, o que, no entanto, é pouco provável.

Por isso, começa a desenhar-se, cada vez mais forte, a disputa pelos cargos e posições no que acreditam seria o futuro governo Dilma Rousseff. Há menos de um mês, o PMDB deixou claro que desta vez não será mero aliado, mas coadjuvante. Não se contentará com algumas pasta. Como principal partido da coligação, ao lado do PT, quer compartilhar o governo com este em pé de igualdade, meio a meio, participando inclusive de postos dentro do Palácio do Planalto e da chamada “reunião das 9”, aquela em que se passa em revista, com o presidente, os acontecimentos políticos, econômicos e administrativos das últimas horas e se discutem medidas a tomar. Agora, é o PT que põe as mangas à mostra. Em palestra para sindicalistas, na Bahia, na semana passada, José Dirceu foi muito claro: “A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa.” Pode-se inferir dessas palavras que Lula não foi bem um representante do PT, não executou o projeto político do partido. Com Dilma, será diferente. Com Lula fora do poder, o partido poderá pôr em prática seu projeto, que inclui, entre outras coisas, o controle da liberdade de imprensa.

Neste fim de semana, o próprio PT foi além: deu o que popularmente se diz “um chega p’ra lá” nas pretensões do PMDB. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o partido quer um governo de maioria petista, com prerrogativa de indicar os ministros mais importantes, como os da Fazenda, Educação, Saúde e Casa Civil, além dos presidentes do Banco Central e das megaestatais Petrobrás e Petro-Sal. Quer ainda o comando da Câmara, para garantir um petista como segundo na linha sucessória do Planalto – o primeiro é o vice-presidente, que no caso da vitória de Dilma seria Michel Temer, do PMDB.
Parafraseando a conhecida pergunta atribuída a Garrincha, depois de ouvir a preleção do técnico sobre como jogar para derrotar a Seleção russa: o PT e o PMDB já combinaram isso com Lula e Dilma? Porque Lula escolheu Dilma e a impôs ao partido para continuar ele próprio governando. A candidata é Lula com o nome de Dilma. Seria o terceiro mandato, exercido por interposta pessoa. Portanto, as coisas não seriam bem como José Dirceu está pensando. A vitória seria mais uma vez de Lula e não do PT, não havendo nenhuma garantia de execução do programa partidário. Depois, de fato e de direito, Dilma é que seria a presidente da República. Ela é que assinaria as nomeações, ela é que passaria à História como governante do Brasil. Será que iria obedecer cegamente às ordens de Lula? Não haveria de querer montar o governo a seu modo? Será que não se rebelaria contra o criador, como sempre acontece? Uma coisa é Lula com o dito carisma, mas sobretudo rodeado de bajuladores e com a caneta e meios de sedução e coerção nas mãos, outra é Lula fora do poder, quando até o carisma costuma bater asas...

FICHA LIMPA
O Supremo Tribunal Federal estará bem à vontade para, esta semana, decidir se a Lei da Ficha Limpa vale ou não para estas eleições e se é aplicável a situações passadas. Há sólidos argumentos jurídicos tanto num sentido quanto no outro. O Supremo poderia então decidir pela imediata aplicação da Lei, porque assim estaria fazendo o que o povo quer. Mas qual o povo que quer a Ficha Limpa? Aqueles poucos milhões que assinaram o projeto de lei ou a imensa maioria que não está nem aí para a quebra de sigilos fiscais na Receita Federal nem para as denúncias de tráfico de influência na Casa Civil da Presidência da República?
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