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segunda-feira, 8 de março de 2010

Coluna do Ary: DA IMPORTÂNCIA DE SER ERNESTO


Ary Ribeiro *

Em recente entrevista concedida ao jornalista Marcone Formiga, da revista Brasília em Dia, o ex-senador, ex-ministro e ex-governador Jarbas Passarinho dá nota 10 ao presidente Costa e Silva, “para o seu lado humano”, diz que Figueiredo teve a má sorte de enfrentar forte turbulência na economia mundial e contesta que Médici tenha sido o vilão da História, como é tido, segundo ele, por grande parte da esquerda.

Médici governou no período mais duro da repressão, quando recrudesceram também as ações armadas do setor mais radical da esquerda, entre as quais a tentativa de dar início a movimento militar insurgente na região do Araguaia, de que resultaram tortura e morte de quase todos os guerrilheiros. Circulavam denúncias de tortura e morte de esquerdistas.

Jarbas Passarinho, que foi ministro de Médici – além de o ter sido também de Costa e Silva, Figueiredo e Fernando Collor – assegura que o presidente não concordava com torturas. “Sempre que levei a ele casos de tortura, ele reagiu imediatamente”, disse. Revelou o caso de uma bancária, estudante da Universidade de Brasília (UnB). Suas palavras: “Ela tinha um problema cerebral e acabou entrando em coma. (...) Fui imediatamente ao hospital, constatei o que tinha acontecido e me dirigi ao Palácio do Planalto para relatar o que tinha apurado. (...) (Disse) ao Médici: Presidente, ocorreu isso e eu não quero que o senhor entre para a História como um presidente torturador e o seu ministro também não. Ele puniu imediatamente o chefe, que era um major.”

Ficamos sem saber se faleceu ou não a estudante que havia entrado em coma e também qual a punição imposta ao major, se advertência, destituição do posto, transferência etc. Não se pode pôr em dúvida o depoimento de Jarbas Passarinho, reconhecidamente homem de bem, respeitado até pelos que, na época, combatiam os governos militares. O fato é que não se tem notícias de que as torturas acabaram ou diminuíram. Ao contrário do que ocorreu sob o governo do general Ernesto Geisel, sucessor de Médici, que, por sinal, confirma Passarinho, preferia o irmão dele, Orlando Geisel, então ministro do Exército. Quando morreram o jornalista Wladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho num quartel de São Paulo, o presidente Geisel demitiu o comandante do II Exército, general Ednardo d’Ávila Melo e, mais tarde, correndo riscos, o ministro do Exército, Sylvio Frota, que se preparava para ser o candidato da linha dura à sua sucessão.

Agora, quando se comemoram os 25 anos do retorno ao regime democrático, é justo, por sinal, reconhecer o importante papel desempenhado pelo presidente Ernesto Geisel. Não fosse ele ter enfrentado o porão do regime autoritário e seguido um plano até talvez necessariamente tortuoso – passando pela chamada “Constituinte do Torto”, que criou os “senadores biônicos”, e pela cassação de mandatos – a redemocratização teria demorado bem mais. Até a escolha do general João Batista Figueiredo para seu sucessor obedeceu a esse plano. Figueiredo não tinha o gosto do poder, vinha de família que sofrera sob um regime ditatorial – o do Estado Novo, de Getúlio Vargas – e, por isso, compromissada com valores democráticos, e vestia figurino perfeito para levar avante a abertura política. E foi fiel ao que dele se esperava.

Geisel pertencia ao setor militar – com Castelo Branco, Golbery, Eduardo Gomes e outros – que tinha realmente convicções democráticas e entendia que, afastado o governo Goulart e, com ele, o risco que via – sobretudo numa época de Guerra Fria – de implantação do que chamava de regime comuno-sindicalista, as Forças Armadas deveriam, o quanto antes, afastar-se do poder, pois, como se diz, “o poder corrompe”. Castelo não conseguiu, no entanto, frear o ímpeto da linha dura, e a permanência dos militares no poder estendeu-se por duas décadas. Foi preciso que seu grupo, com Geisel à frente, voltasse ao comando do País. Vale então a associação com a peça de Oscar Wilde, com o trocadilho: The Importance of Being Earnest.

* O autor é jornalista.

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