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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Coluna do Ary Ribeiro

24/05/2010

Ary Ribeiro*

VEM AÍ O CAFÉ-COM-LEITE

Os resultados das últimas pesquisas feitas pelos institutos Sensus e Vox Populi, indicando considerável avanço de Dilma Rousseff, foram recebidos com ceticismo e contestados por técnicos ligados sobretudo ao PSDB. Neste fim de semana, a pesquisa do DataFolha confirmou a subida de Dilma, que chegou a empatar (37%) com José Serra, havendo margem de erro de 2%, para mais ou para menos.

O fato não constitui propriamente surpresa. Desde o “comício” do dia 1º de Maio, em São Paulo, que o presidente Lula vem se empenhando fortemente em apresentar a sua candidata. Isso culminou com a transformação do programa de propaganda partidária do PT, pelo rádio e televisão – a que os partidos têm direito – em programa de antecipada propaganda eleitoral, o que pode acarretar mais uma multa (a quinta?) da Justiça Eleitoral ao Presidente da República. Um Presidente multado por descumprimento da lei! Ele e a candidata a sucedê-lo!

O PT tem normalmente 30% dos votos. Na medida em que se tornou conhecida, Dilma chegou a esse patamar. E, com a popularidade de Lula e a intensificação da propaganda, foi além. Para José Serra, o fato não chega a ser tão preocupante. A campanha propriamente dita nem começou ainda e ele tem tido êxito na amarração de importantes apoios regionais, inclusive no Nordeste. Mas não deixa de ser uma luz amarela. Um alerta. E isso pode influir decisivamente para que se concretize a aspiração da quase totalidade da militância oposicionista: a formação da chapa “puro-sangue”, Serra/Aécio.

A efetiva união São Paulo/Minas seria, eleitoralmente, muito poderosa. Na República Velha, os dois estados comandaram o País, revezando-se e dividindo o poder. Era a conhecida política do café-com-leite, que, por sinal, já em nossos tempos, assegurou a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, pondo fim a 20 anos de regime militar. Dessa vez, São Paulo, por intermédio do governador Franco Montoro e de líderes como Fernando Henrique e Mário Covas, foi a Minas pedir ao governador Tancredo Neves que aceitasse ir ao Colégio Eleitoral para disputar a Presidência da República com Paulo Maluf. Agora seria a vez do caminho inverso, a ser percorrido, por coincidência, pelo neto de Tancredo, o que já começa a ser admitido por lideranças do PSDB mineiro. A Aécio, político experiente e arguto, não deve escapar o fato de que sua maior ambição política está em jogo. Se o PT vencer, ele que já se incrustou na máquina do estado, será para ficar no poder por período muito longo.


NO FIM, O VERBO...

Após tantas dificuldades e resistências por que passou durante oito meses na Câmara dos Deputados, o projeto de lei complementar de iniciativa popular conhecido como “Ficha Limpa” foi aprovado pelo Senado com espantosa rapidez – e por unanimidade, pelo voto dos 76 presentes.

Apenas não votaram: o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-MA), por estar licenciado; Marconi Perillo (PSDB-GO), por estar no exercício da presidência e regimentalmente impedido de votar; Mauro Fecury (PMDB-MA), porque estaria hospitalizado; Fernando Collor (PTB-AL), por estar ausente de Brasília; e Leomar Quintanilha (PMDB-TO), que, no entanto, chegou em seguida ao plenário e pediu que fosse consignado seu voto favorável.

Por que os senadores, diferentemente dos colegas da outra Casa, cederam de forma tão repentina e tão docilmente ao desejo expresso pelos milhões de eleitores que subscreveram o projeto (aos 1 milhão e 700 mil iniciais juntaram-se, depois, mais 4 ou 5 milhões), mesmo alguns que talvez pudessem vir a ser alcançados pela nova lei? A explicação talvez possa ser buscada na aparentemente singela emenda “de redação” acolhida, naquele mesmo dia, pela Comissão de Constituição e Justiça.

A emenda, de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), mudou, em cinco pontos, o tempo verbal “tenham sido” (condenados por órgão colegiado) por “forem”, sob a justificativa de uniformizar o texto. Na hora, houve quem dissesse ser a alteração necessária porque a Constituição veda a retroatividade de lei ou de mudança na lei, a não ser para beneficiar o reu. É possível que isso tenha varrido de vez quaisquer possíveis receios.

À primeira vista, teria sido isso mesmo o que ocorreu. Tanto que, no dia seguinte, houve forte reação de alguns deputados, que chegaram a dizer que o Senado enterrara o “Ficha Limpa”. Pelo texto da Câmara, quem quer que tivesse sido condenado por um colegiado estaria inelegível. Como foi aprovado no Senado, a inelegibilidade só se aplicaria aos que forem condenados, ou seja, daqui para a frente. Não teria havido, portanto, emenda “de redação”, mas “de mérito”.

A mudança de tempo verbal desencadeou interpretações divergentes. Sob o título de “Anistia aos fichas-sujas”, o principal editorial da edição de sexta-feira de O Estado de S.Paulo classificou-a de “maliciosa”, dizendo que, com isso, a nova lei não alcançará tão logo quanto a sociedade deseja aqueles que quer fora da vida pública. Para o autor da emenda, Dornelles, não houve alteração no sentido do projeto. “Foi emenda exclusivamente de redação, para unificar a linguagem”, afirmou, lamentando que “estejam querendo dar-lhe sentido que não tem”. Mais importante: com ele concorda o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que congrega 44 entidades responsáveis pelo “Ficha Limpa”. A expressão “forem” – esse seria o entendimento – não implica necessariamente um “daqui para a frente”. O verbo não teria, assim, propriamente sentido temporal. Estaria estabelecendo uma condição: quem for condenado (antes ou depois da lei) por órgão colegiado está fora da disputa eleitoral.

Fica a discussão para os juristas e gramáticos. E talvez para o Judiciário decidir – e nesse caso certamente serão levados em muita consideração o caráter moralizador da lei e sua motivação. O que parece certo é que alguém está enganado: ou os defensores do “Ficha Limpa”, que querem sua aplicação já para as eleições deste ano e para todos os que têm fichas sujas, ou alguns senadores que tinham receio do projeto, mas acabaram aprovando-o com muita tranquilidade e satisfação.

A propósito da aplicação, independentemente da questão do tempo verbal, passa-se a aguardar a resposta que o Tribunal Superior Eleitoral dará à consulta formulada pelo líder do PSDB, senador Arthur Virgílio. Pela Constituição, alteração na lei eleitoral só pode ser aplicada a pleito que ocorra pelo menos um ano após a sua vigência. Resta saber se no caso houve mudança na legislação eleitoral propriamente dita (regras, prazos etc.) ou se apenas se tornou claro outro dispositivo constitucional, o que trata do princípio da moralidade na vida pública.


A CARTA DE OBAMA

Vazou para a imprensa, quinta-feira passada (dia 20), por meio da Agência Reuters, trecho de carta que o presidente dos EUA, Barack Obama enviou ao presidente Lula, reconhecendo que um acordo com o Irã, sobre a troca de urânio por combustível nuclear, “criaria confiança e diminuiria as tensões” no Oriente Médio. Quer dizer, aparentemente estimulando o propósito manifestado pelo governante brasileiro de conseguir um acordo que já havia sido concebido, em 2009, sem êxito, pela Agência Internacional de Energia Atômica.

A Casa Branca não confirmou nem desmentiu. E o teor da carta não foi divulgado pelo governo brasileiro. Não parece haver dúvida quanto à sua existência. Ela possivelmente seria resposta a outra, de Lula para Obama. Nesse caso, as palavras de Obama teriam sentido mais protocolar, “diplomático”. Não seriam verdadeiro estímulo a um acordo que aos olhos dos EUA e de outras grandes potências não impede o Irã de continuar com seus esforços para conseguir energia nuclear para fins militares.

*Ary Ribeiro é Jornalista e escrever uma coluna neste blog todas as segundas-feiras

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